sábado, agosto 09, 2025

SEQUIOSAS ÂNFORAS


Porte arisco e desassombro

Em teu caminhar altivo.

E uma demanda. Que se agita. E te habita.

Alvoroço das ancas

Sequiosas ânforas

A acenderem-se

Na ardência

E na seda da pele…

 

E a polpa dos dedos

Verso e reverso

De um poema

Fugidio

 

E todos os feitiços.

E mistérios.

 

Manuel Veiga

segunda-feira, julho 21, 2025

Espinhos e Rosas


 

Pessoa, todos o sabemos, gostava de flores

“dai-me rosas, dai-me rosas e lírios também…”

e, coitado, levava bem longe a vontade

de flores em que consumia a alma

a clamar que se não houver rosas (para dar)

que, ao menos, haja vontade de rosas lhe darem…

e meditava sobre o destino do Mundo

perante uma rosa abandonada no chão


não consta que em vida Pessoa tivesse

um leito de pétalas e de rosas, nem

se compreende muito bem essa vontade

inadiável de rosas “e lírios também” …

será desejo? ou apenas sonho de sonho

de pétalas sem espinhos?

Ou talvez seja ponderação entre a fragilidade

das pétalas e a razão dos espinhos…


Manuel Veiga

 

domingo, julho 13, 2025

MEMÓRIA DE UM PERFUME


Quero atar a flor da ausência

Em laço azul de seda e nela me amarrar

Cativo ainda.


E beber o frémito do silêncio

Como memória de um perfume

Que à distância inebria...


E quero o murmúrio de um poema

Que nada diga - apenas mágoa! …

E uma cabana abandonada

Que se visita

Em peregrinação

Devota…


Manuel Veiga

quarta-feira, julho 02, 2025

COMO SE FORA UM RITO

 

COMO SE FORA RITO...

 

teus dedos açucenas em meu corpo aberto

e os olhos vendados. Como se fora rito

ou cerimonial secreto.  Sou levitação.

Agora meu corpo é algo místico a planar

Veludo de carícia e macieza da voz

 

Passagem de mãos em minha pele

Sede a abrir-se a novos mistérios

e a alastrar em murmúrio

que apenas tuas mãos conhecem

 

e, quando os dedos se enlaçam

em inocente jogo e expectante espera

e primaveril encantamento

solta-se então o percurso das águas

que enjeitas, embora sabendo

de teu desejo…

 

E sei então de ti pelo movimento

As pálpebras e pelo arfar dos seios

E teu doce sorriso, Cativo porém

De tresmalhados

Sentimento...


Manuel Veiga

 

domingo, junho 15, 2025

MESMO NÃO SENDO

 

Tudo na vida é perecível, Lydia.

E nós com ela. Repara que até o voo do milhafre

Se entardece.

Deixemos, pois, que a tarde tomb

E a noite seja. Que nos importa qu o amanhã

Amanheça sol. Ou que seja nevoeiro

Ou sombra.

 

Nem por isso deixarei

De sentir a suavidade de teu cabelo

Em minha face.

 

Nem de sorver o beijo

Que guardamos. Nem os ecos.

 

Colhamos o perfume, Lydia. Apenas.

E amaciemos o fervor (e o furor)

E não desejemos mais

Do que a vida quer…

 

E estejas onde estejas, ambos seremos

Mesmo não sendo…


Manuel Veiga

 

quarta-feira, maio 28, 2025

DESFAZER DA TENDA

 ...

 

Desfaz a Tenda dos Milagres, poeta

Pois que, a ti, te bastam os ecos

E o topo das montanhas

Que são vertigem…

 

E afasta este azul nítido

Tão líquido azul que magoa. E se perde

Lá ao fundo…E “o sonho do sonho” …

E a asa. E o golpe que por vezes assoma –

Verso que desponta no reverso

E inebria…

 

Esquece o beijo dos amantes.

E os dias de verão

E o declinar das horas

No teu velho relógio de pêndulo

Pois que este vinho perfumado

E este lastro antigo

É quanto te bastam

No cair da noite

Que se aproxima! 


Manuel Veiga



                    

domingo, maio 25, 2025

FLOR SANGUINEA


Na implosão de cravos fincam-se as raízes e a cor

Em bandeiras de luta – que os dias são ávidos

E o Futuro esgravata-se corpo a corpo

Nos trilhos e agruras do Presente.


E, neste tempo circular, mais pesado que chumbo,

Os muros são escombros a afirmar

O fracasso e a anunciar o estertor

De mitos poluídos.


E, no entanto, no arrepio dos dias uma memória

Perfumada. Uma pulsão e uma vertigem

A explodirem nos olhos


Que a Liberdade não tem métrica que a aprisione

Nem claustro, nem norma, nem mestres, nem barreiras

Que a detenham – fogo puro!


E ergue-se nas bocas, com seu nome de Igualdade,

Em apoteose de flor sanguínea tatuada

No corpo imaculado

Dos dias do Porvir.


Cristal aceso. Em noites de alvoroço

E no luzeiro das auroras.


Manuel Veiga


sábado, maio 10, 2025

TODOS OS RIOS SÃO MESMA SÊDE


São os deuses traiçoeiros em seu delírio

E as pátrias decidem as bandeiras

Como destino dos homens.


Em cada dor, porém, uma tempestade

E um rasgo de mãos acesas

Sem fronteiras.


Nada do que é humano respira sozinho

E os Povos não reconhecem oceanos

E todos os rios são a mesma sede

E crestados lábios.


E todas as fomes se somam

E todas as angústias são látego coletivo

E em cada luta há sempre um afago indefinido

E em cada muro um grito subterrâneo

Que explode em cada gesto

De dizê-lo.


Nada os deuses nos devem

Mas são os homens que se inventam

Em cada dádiva de amor rebelde

E liberdade…


E quando um Povo sofre (ou se liberta)

É toda a Humanidade!…


Manuel Veiga


sexta-feira, maio 02, 2025

METAMORFOSE(S)


Na suavidade da pele onde amarras e tabus

Se quebram. E todas as juras

E todas as palavras se abatem –

Lume ardido – e as salivas são incisões

Pictogramas na raiz do frémito.

E as línguas se dizem palato

No rubor dos murmúrios

E se esbanjam opulentas e vernáculas

Morfemas de lume a crepitar

Nos espasmos …


E os corpos já não corpos

Dança de signos e sintagmas

Bailado de licores e gestos

E pedestal e moeda viva


E morfema onde te digo líquida

E te reclamo métrica e partilha – verso e reverso

Da mesma fala 


E te digo padrão e síntese.

E resgate de todas

As memórias…


SEQUIOSAS ÂNFORAS

Porte arisco e desassombro Em teu caminhar altivo. E uma demanda. Que se agita. E te habita. Alvoroço das ancas Sequiosas ânforas ...