Nada. Nem um suspiro. Nem um
bulício.
Apenas o leve adejar do Sonho.
A espraiar-se em azul-turquesa.
E aquela ilha!... Ao longe.
Secreto coração do Mundo
Em toda a parte…
Batendo em alvoroço
De lume...
Manuel Veiga
Nada. Nem um suspiro. Nem um
bulício.
Apenas o leve adejar do Sonho.
A espraiar-se em azul-turquesa.
E aquela ilha!... Ao longe.
Secreto coração do Mundo
Em toda a parte…
Batendo em alvoroço
De lume...
Manuel Veiga
Desfaz a Tenda dos Milagres, poeta!
Pois a ti te bastam os ecos
E o topo das montanhas
Que são vertigem…
E afasta este azul nítido
Tão líquido azul que magoa. E se perde
Lá ao fundo…
E cala o sonho do sonho
E a asa. E o golpe que por vezes assoma –
Verso que desponta no reverso
E inebria…
E cala também o beijo dos amantes.
E os dias de verão e
Bem assim o inverno…
Que este vinho antigo
E este lastro. E este perfume decantado~
E esta gravitas
São já tanto!...
Manuel Veiga
no grande livro da vida
onde se inscrevem os milagres e todos
os feitos. E as insígnias do sangue e
o leite materno…
e a memória dos dias faustos
e de todos aqueles que são
e aqueles outros
que hão-de vir
nasceu uma criança!
e a acolheste em teu regaço a ungiste e
quiseste que o poeta
a amasse como se fora
dádiva tua…
e na lonjura de todas as impossibilidades
e
na majestade de todos os gestos o poeta
estendeu então uma passadeira vermelha à altivez gloriosa de teus passos e
devolveu teu gesto e essa inocência frágil
e
delicada envolta em palavras néscias
a que acrescenta agora
uma bênção pagã
e minha desmesura …
Manuel Veiga
No
roteiro de teus passos e no fervor
Dos
laços me entardeço. E me derramo
E
me desfaço. E (bem) te digo
Seda
fina e xaile antigo
Debruado
no frémito
Dos
lábios…
E
me inflamo poeta predilecto
E
néscio, sou borbulhar de mostos
E
bailado.
E
movimento perpétuo.
E
a caligrafia dos gestos.
E
da lucidez me reclamo. E te proclamo.
Música
atonal. Flor tão breve e um poema
Alvoroçado.
Infinito-Presente.
E
pretérito imperfeito
colhe
o poeta a cor do sonho na paleta
com
as nuvens sobre a esfera onírica, porém presa
e
na nesga rasgada sem saber se sai ou entra
o
mar ao longe...
advinham-se
corpos irreais em transparência
reclinados
sobre colchas sem memória
como
sombras pressentidas na luz imensa
que
o dia clama...
talvez
crianças caprichosas ou velhos faunos
desfaçam
a cortina ou a subtil brisa os descubra
desnudados
sem culpa ou sem remorso
bárbaros
e puros...
talvez
deste lado da paisagem onde beijos correm
como
ondas e os dedos do poeta se deslaçam
o
azul capriche no tempo breve e em suave tarde
apenas
os corpos reinem...
Manuel Veiga
Um fio de sonho
E
gesto largo
Nos
longos dedos
Do
silêncio.
De
permeio
O
acre enleio
Por
dentro o sarro
E
o engano
A
elidir o logro
No
restolhar
Do
sonho…
Manuel Veiga
Gosto,
sim. De teu corpo-lume
A
pedir chuva miudinha
E
a fazer negaças.
E
a desdizer-se
Em
graça …–
Alvoroço
De
teu corpo
Fogo
e água
A
fundirem-se
Em
flama ardente…
Prazer
do poeta
A
atiçar o fogo
Em
que arde!...
Manuel Veiga
Que a palavra venha pois
Assim secreta. Colorida gota
Que em volúpia se derrama
E se retira. Muda.
E em silêncio
Se desenha urdidura.
E se agita. E cálida se reclama
Solar. E nítida.
Que a palavra venha pois
Assim liberta. A desvendar
A sombra
E seja númen. E nome
Na inscrição dos lábios
E das sílabas.
Porte arisco e desassombro
Em
teu caminhar altivo.
E
uma demanda. Que se agita. E te habita.
Alvoroço
das ancas
Sequiosas
ânforas
A
acenderem-se
Na
ardência
E
na seda da pele…
E
a polpa dos dedos
Verso
e reverso
De
um poema
Fugidio
E
todos os feitiços.
E
mistérios.
Pessoa,
todos o sabemos, gostava de flores
“dai-me
rosas, dai-me rosas e lírios também…”
e,
coitado, levava bem longe a vontade
de
flores em que consumia a alma
a
clamar que se não houver rosas (para dar)
que,
ao menos, haja vontade de rosas lhe darem…
e
meditava sobre o destino do Mundo
perante
uma rosa abandonada no chão
não
consta que em vida Pessoa tivesse
um
leito de pétalas e de rosas, nem
se
compreende muito bem essa vontade
inadiável
de rosas “e lírios também” …
será
desejo? ou apenas sonho de sonho
de pétalas sem espinhos?
Ou
talvez seja ponderação entre a fragilidade
das
pétalas e a razão dos espinhos…
Manuel Veiga
Quero atar a flor da ausência
Em laço azul de seda e nela me
amarrar
Cativo ainda.
E beber o frémito do silêncio
Como memória de um perfume
Que à distância inebria...
E quero o murmúrio de um poema
Que nada diga - apenas mágoa! …
E uma cabana abandonada
Que se visita
Em peregrinação
Devota…
Nada. Nem um suspiro. Nem um bulício. Apenas o leve adejar do Sonho. A espraiar-se em azul-turquesa. E aquela ilha!... Ao longe....